Seria possível as histórias do vento ouvir?
![](https://static.wixstatic.com/media/657400_a7d308e54a544973bbd87dd882bc1f5d~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_300,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/657400_a7d308e54a544973bbd87dd882bc1f5d~mv2.jpg)
Em novembro de 2019 e estava encerrando uma etapa de trabalho na ilha de Fernando de Noronha, Pernambuco, e queria me despedir de uma forma profunda, depois de tantas emoções que por lá vivi, ao longo do ano.
O coletivo de mulheres Las Lobas atendeu ao meu convite e numa manhã de sábado nos encontramos na ponta da ilha onde o sol nasce primeiro, a ponta da Air France.
Aquela é uma ponta simbólica para a ilha, mas também para o país. Foi naquela praia que a primeira comunicação submarina chegou, no final do século XIX. A instalação foi construída pela empresa britânica de telégrafos, mas nas primeiras décadas do novo século foi adquirida pela empresa francesa, que muitos anos depois emprestou o nome Air France àquele canto da ilha. Toda a informação que vinha da Europa chegava em Noronha primeiro, antes de chegar ao continente. Daquele período, restou uma construção antiga, agora ocupada por artistas ilhéus, e algumas histórias de antigamente.
![](https://static.wixstatic.com/media/657400_9d3951aeb84a4ab6a1044835f85f7f03~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_574,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/657400_9d3951aeb84a4ab6a1044835f85f7f03~mv2.jpg)
Parar na ponta da ilha e olhar para o horizonte é como buscar uma conexão com o lado de lá. Onde, "lá"? Parece que, logo ali, depois de um "pequeno" oceano de memórias, está o nosso passado, ou o nosso futuro. Seria possível avistar a África ou a Europa desde aquele canto? Claro que não é possível, mas uma ideia nostálgica vinda da aura de alguma lenda antiga, nos faz crer que talvez o passado esteja logo ali, ao alcance do olhar.
Talvez seja por isso que o vento que ali venta, venha carregado de tantas simbologias. É o vento que sopra da África e que atravessa o oceano até encontrar a nossa pele.
Naquela manhã convidei as seis Lobas para um encontro com a natureza. A arte seria o catalisador deste encontro, uma ponte para uma conexão entre nossos corpos e um outro lugar desconhecido.
![](https://static.wixstatic.com/media/657400_5dc8b3e87d234fb7bc929a7cb65f69a2~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_724,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/657400_5dc8b3e87d234fb7bc929a7cb65f69a2~mv2.jpg)
O sol nascia no horizonte e o vento frio começava a aquecer. O cheiro do mar, o som das ondas nas rochas, os gritos das fragatas ao sobrevoar. Nada mais ao nosso redor, só a nossa ancestralidade.
Desenrolei pelo chão um longo tecido branco, enquanto perguntava para ele o que ele iria me revelar naquela manhã. As meninas sentaram-se ao redor do tecido, em círculo. Colunas alinhadas com o chão. Pode um pedaço de tecido assim, ganhar vida?
Pode sim.
![](https://static.wixstatic.com/media/657400_e8a6e953031b4548a6dc6d2d5cb1393c~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_500,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/657400_e8a6e953031b4548a6dc6d2d5cb1393c~mv2.jpg)
Aos poucos fomos ganhando confiança no tecido e pedindo para ele nos contar o seu propósito. Fomos acolhendo-nos umas as outras num abraço caloroso, como se nos vestíssemos um xale. Um xale ancestral de proteção e de acolhimento.
Assim despertamos o tecido para nos contar as histórias que precisávamos ouvir.
E, aos poucos, abrimos suas linhas, suas fibras, suas tramas no espaço aberto e deixamos que o sol o esquentasse enquanto que o vento de mansinho chegasse.
Mas o vento tinha muita história para nos contar!
Ele chegou nos arrodeando em nossos meandros, nos enrolando em nossas memórias, nos elevando como balões cheios de emoções.
![](https://static.wixstatic.com/media/657400_8584940c91c9432aa3f0a62f36f30432~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_502,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/657400_8584940c91c9432aa3f0a62f36f30432~mv2.jpg)
E então, cada uma de nós se encontrou com o vento. E dele ouviu as histórias que precisava ouvir. Naquela manhã, o vento me disse baixinho no meu ouvido, já era hora de voltar para casa.
Kommentare